domingo, 29 de março de 2009

O ENIGMA DA ORIGEM DA LUZ

Huyghens e Newton elaboraram a teoria das ondas luminosas transmitidas pela incandescência do sol, das demais estrelas e das chamas. As radiações das fontes de luz foram objeto de inúmeros tratados científicos. A natureza da luz sempre manteve os estudiosos imersos na perplexidade. Einstein, Maxwell e Louis de Broglie consagraram obras eruditas ao estudo da propriedade ondulatória ou, ao contrário, da linha reta do fenômeno da propagação, assim como ao estudo da formação da claridade luminosa molecular e material.
Observou-se justamente que “os objetos que nos cercam só são visíveis porque refletem a luz”. Esta luz se propaga por ondas. A sua irradiação é eletromagnética e energética. Bohr estabeleceu que a luz deve sua geração à matéria; a combustão a produz e a emite. A luz é um “elemento constitutivo do Universo”. Os físicos têm constantemente investigado seus desdobramentos no cosmos: do Sol à eletricidade e ao laser, e do infravermelho ao ultravioleta, eles repetiram suas experiências, anotaram suas observações em ótica, a irradiação luminosa no espaço e no vácuo. Observaram que sua cor branca comporta a reunião de todas as cores que o prisma decompõe. Newton comprovou isso.
As fontes luminosas, de origem térmica, atômica, gasosa ou incandescente, são conhecidas ou ao menos explicadas. “Matéria e luz estão ambas em contínua interação”, como diz Pierre Rousseau. O aquecimento produz a iluminação. De Euclides a Goethe, muitos foram os que perscrutaram o seu mistério, no qual alguns não hesitaram em ver um “magismo”! Sendo a velocidade do raio solar de 300.000 km/s, como medir a sua densidade?
Em resumo, escolhamos uma definição, tão clara quanto possível, ou seja, a dos cientistas: “Luz, é onda eletromagnética, cuja parte visível tem comprimento de onda que varia entre 0,4 e 0,7 mícron. Propaga-se no vácuo a aproximadamente 300.000km/s”. “Segundo o seu comprimento de onda, ou segundo a mistura de seus comprimentos de onda, a sua impressão colorida é variável. A mistura de todos os comprimentos de onda nos dá a impressão de branco. A Luz obedece às leis da difração, da difusão, da reflexão, da refração e da polarização.
O físico Maxwell elaborou a teoria eletromagnética da propagação da luz, renovando a antiga teoria da vibração do éter. Certos estudiosos reúnem o calor, a luz e a eletricidade. É o caso de Louis Lucas, em sua Médicine Nouvelle, que declara serem estas as “três fazes gerais do movimento”, cujas nuances são infinitas. Papus retoma essa afirmativa no seu Trate Méthodique de Science Occulte. Segundo Pierre Rousseau, “a luz visível é apenas uma fração ínfima do domínio das radiações eletromagnéticas, que são vibrações transversais de forma senoidal, de um duplo campo elétrico e magnético. Está hoje provado que a luz segue a curvatura do espaço. O preto, o branco e as cores freqüentam o nosso destino. A vida, a Natureza e o Cosmos só se expandem pela Luz.
A ADORAÇÃO DO SOL-LUZ
Este foi um dos primeiros sentimentos místicos dos homens. A religião nasceu disso. Inicialmente, os mais inspirados, depois os sacerdotes, todos eles imbuídos da tradição edênica, evocaram Adão ao nascer do Sol e o fim do mundo no pôr do Sol. A Luz ilumina o mundo. A Luz é Deus. As peregrinações existiram em abundância no momento dos solstícios e dos equinócios. São imperecíveis, sob este ponto de vista, os deuses-sóis da Pérsia e do Egito. Em Roma, o poeta Lucrécio assim saudava o Sol: “O sol etéreo, essa rica fonte de fluido luminoso, banha o céu de um brilho sempre fresco, sem parar de substituir a Luz pela Luz... Os objetos precisam de uma Luz sempre nova e cada jato luminoso que se dissipa tão logo nasce, e nada se poderia perceber à Luz do Sol se essa claridade cessasse de se renovar pela sua própria fonte”.
Graças a essa incessante energia luminosa que recebemos do Sol, a Terra se aquece e emite radiação de calor no espaço. Nas cerimônias de iniciação dos Mistérios de Eleusis, o profano era levado a caminhar por lugares tenebrosos e inquietantes, que o deixavam com medo e inseguro. Pouco a pouco as trevas se dissipavam, e o candidato passava a ver uma claridade, que finalmente se convertia em luz intensa. No Rito de Iniciação de Osíris, no Egito, os profanos eram arrastados pelas salas da Grande Pirâmide, em plena escuridão. Em seguida, os candidatos eram levados a um tribunal no qual viam a representação da morte, e passavam pelas provas simbólicas da purificação. Tudo terminava em lugares banhados de Sol, após o que, pelas palavras misteriosas, eram comunicados aos neófitos os segredos do Além ou Amenti.
Nos Mistérios de Dionísio, Orfeu dizia aos recém-iniciados: “Vinde beber a Luz do Templo, oh vós que saístes da noite. O Sol que evoco sobre vossas almas não é o Sol dos mortais, é a Luz pura, o grande Sol dos iniciados”.
O culto do Sol teve o seu período áureo no reinado do faraó Amenophis IV, também chamado Akhen-Aton. Ele foi o primeiro ser humano a instituir um culto monoteísta. Os egípcios acreditavam que a Luz iniciática trazia a salvação do homem. Por isso, mandavam costurar no sudário dos mortos um amuleto simbolizando o Sol. Aton era o deus solar adorado ao tempo do faraó Amenófis ou Akhenaton.
O OURO-LUZ
Os egípcios reverenciavam a qualidade solar do ouro. Daí a cor amarela ser primordial em seus ritos funerários. A tradição grega já via no ouro um aspecto do Sol, com as suas virtudes da fecundidade. O deus Apolo tinha cabelos de ouro. O Velo de Ouro dos Argonautas conferia a quem o tivesse o poder temporal e o poder espiritual. Na Índia, reverencia-se também o ouro por ter o brilho da Luz. Os ícones de Buda são dourados, bem como o são os ícones bizantinos, por serem o reflexo da Luz Celeste. Para os alquimistas, Nicolas Flamel entre eles, a transmutação do chumbo em ouro nada mais é do que a transformação do homem por Deus. Esse é o objetivo da alquimia espiritual.
O Sol é representado pela cor do ouro. E o ouro freqüenta intensamente a discrição do Apocalipse. Jesus mediu a Jerusalém eterna com uma régua de ouro, ao passo que a cidade é toda de ouro puro. Segundo J.P. Bayard, “Essa régua de ouro é o símbolo da justiça e do esplendor, da sabedoria e da verdade”. Mas o que devemos lembrar é que o ouro simboliza a divina claridade da pureza e da Luz”.
A LUZ PELO FOGO
Gerador de luz, o fogo, purificador e iluminador, segundo Paul Diel, projeta suas chamas para o céu e “representa o impulso para a espiritualização”. Ele é o símbolo da regeneração, mais que da morte, e o aniquilamento pela combustão. Como o Sol pelos seus raios, o fogo, pelas suas chamas, simboliza a ação fecundante, purificadora e iluminadora. O fogo, criador da Luz, terá os seus prolongamentos no rito de incineração, nas fogueiras da Idade Média, nos fogos de São João, e em todas as ações que tenham a intenção da purificação. Assim, o fogo é a menos imperfeita imagem de Deus, a menos imperfeita das suas representações, e que existe em abundância na simbólica teológica.
Na Índia, os grandes determinantes da Luz, que são o fogo, o raio e o Sol, têm lugar de destaque e fundamental. Agni, Indra, Sürya, são os intermediários celestes do Fogo. O Fogo ritual simboliza as paixões, o espírito e o conhecimento intuitivo. Os taoístas se lançam na fogueira para se libertar dos erros humanos e unirem-se ao Eterno; o sacerdote lhes garante que o fogo não queima o santo. Este Fogo sacrificial do hinduísmo é sagrado. Nas religiões judaica e cristã, numerosos são os círios, os castiçais, as lamparinas, as velas das procissões, dos templos, dos pedidos ou dos pagamentos de promessas.
Desde a alta antiguidade os templos são orientados para o Oriente, para receber a primeira luz solar. O Oriente é o símbolo da Luz incriada.
OS TEMPOS BÍBLICOS E O VERBO
O livro do Gênesis diz: Iahweh criou a Luz pelo Verbo. Iahweh disse: “Haja luz”. “E viu Deus que a luz era boa; e fez a separação entre a luz e as trevas”. Iahweh disse ainda: “Que haja luzeiros no firmamento dos céus para alumiar a Terra”. E Ele criou o Sol “o grande luzeiro”, para presidir o dia; e a Lua, para presidir a noite; e as estrelas do firmamento para brilhar no céu.
A criação da Luz determina o início do tempo. A Luz original não é a do Sol. Os astros são apenas luzeiros; a Luz de Iahweh é universal, é a desejada pelo Criador. Os salmistas, os profetas, os Reis, todos cantaram a Luz divina, que determina o Conhecimento. No Salmo CXIX, Davi assim se expressa: “Tua palavra é uma lâmpada para iluminar os meus pés, uma Luz para brilhar sobre o meu caminho”. Em Provérbios, VI:23, lemos: “O mandamento divino é uma Lâmpada, a Thorah é Luz”.
O salmista diz ainda que “Iahweh se veste de Luz como de um manto (Sl., CIV:3)”. Os comentaristas rabínicos do pensamento judaico explicam a existência de uma “Luz escondida”. Existe uma Luz do espírito, criada e separada do Criador. Encontramo-la na Thorah. O Rabi Simeão via cinco Luzes desde a origem dos tempos:
- Elohim diz: “que seja a Luz! E foi o Gênesis”
- Elohim foi a Luz = Livro do Êxodo.
- Elohim viu a Luz = Livro do Levítico.
- Elohim separou a Luz = Livro dos Números.
- Elohim invocou a Luz = Livro do Deuteronômio.
Homem de Luz, Moisés extasiou-se diante da sarça ardente. A descer do Monte Sinai, ele resplandecia de luz. A Thorah contém a Luz divina. O estudo das Sephiroth provará que “ a Luz é essencialmente Amor”. A Luz do Amor.
O SOL ESPIRITUAL
Segundo René Guénon, “A irradiação do Sol espiritual é o verdadeiro coração do mundo”. Claude San-Martin dizia que a Luz do verdadeiro Sol deve ser recebida sem refração, isto é, sem nenhum intermediário que a deforme, mas sim por intuição direta. Esta é a Iluminação Iniciática. Jacoh Boehme dizia que a Luz contém a Revelação, pois “na Luz há um Deus misericordioso e bom e, na força da Luz, Ele se chama Deus”.
A China e a Índia assimilam no Budismo a Luz e o Conhecimento. Para o Islã, Em-Nur (a Luz) corresponde a Em-Rhu (o espírito). O Evangelho o Alcorão, os textos taoístas e budistas garantem que a Luz sucede às trevas, dualidade universal do Yang e do Yin. O próprio Cristo dotou-se de apelativos simbólicos, tais como: “Sol de Justiça, Grande Luz, Luz do Mundo”. A data estabelecida para o seu nascimento, 25 de dezembro, na Roma pagã, era a festa do Sol renascente, ou Solis Invictus.
A LUZ DA ÁRVORE DA VIDA
No centro do paraíso viam-se a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Essa antiga lenda babilônica veio da antiga Mesopotâmia e foi atribuída à Epopéia de Gilgamesh.
Uma outra árvore era venerada pelos antigos: o carvalho, que recebia o raio, a arma e o símbolo da Luz e do Fogo de Deus. Todas as mitologias consagram o lugar onde caía o raio. O carvalho de Zeus em Dodona, de Júpiter em Roma, o carvalho de Perun entre os eslavos. A sarça ardente do Êxodo é uma manifestação de Iahweh a Moisés que, espantado, lhe perguntou: “Qual é o Seu Nome”? E Iahweh lhe respondeu: Eheieh Asher Eheieh! Traduzido por “Eu Sou Aquele que Sou”. Melhor traduzido seria: “Eu sou a Luz que É”.
Também o Alcorão exalta “a Árvore bendita”. A mesma imagem, a da Árvore da Vida, é encontrada na Cabala; dela emana “o orvalho de Luz”. Para René Guénon, essa Árvore é a oliveira, cujo óleo é utilizado na Luz da lamparina, Luz que vem de Alá “e que é o próprio Alá”. Assim, a Árvore que dá a Luz é a própria Árvore da Luz. Na Índia, os Upanishads apresentam a Árvore da Vida como o próprio Brahma. O Alcorão afirma que há nisso “Luz sobre a Luz”. O mesmo Alcorão, na surata XXIV, que tem por título A Luz, demonstra em 64 versículos, que “Deus é o iluminador do Sol, da Lua dos astros, das criaturas celestes e terrestres e de tudo o que existe. Eis algumas das frases desta surata: “Deus é a Luz dos céus e da terra”; “Deus guia para a Sua Luz quem Lhe apraz, e fala aos homens com alegorias”.
AS LUZES DA IDADE MÉDIA
Todas as soberbas catedrais góticas da Europa, construídas pelos maçons operativos, são luminosas. Iluminados eram também os seus construtores. Elas representam um autêntico hino à Luz. Nestas catedrais, os vitrais projetam raios de diversas cores: à tarde, “as rosáceas iluminam os templos com os últimos raios do Sol poente”.
Estas rosáceas proporcionam às catedrais uma Luz feérica, digna da divindade, sob o signo da beleza da rosa. A Iluminação ao nascer do Sol inspirou os construtores a orientar estes templos para o Sol levante, assim como sobre o altar mor, o oficiante se voltava simbolicamente para Jerusalém. Deus é Luz, proclamou João. A Catedral, sua morada, resplandece com esta Luz.
ANÁLISE, FILOSOFIA E PSICANÁLISE DA LUZ E DA ILUMINAÇÃO
Mais do que uma analogia, a semelhança do fenômeno físico da irradiação da Luz e do repentino afluxo psíquico dos eflúvios dos abrasamentos mentais, como os de Santa Tereza D’Ávila, são motivo de permanente pesquisa sobre a motivação desse duplo fato enigmático - tanto um quanto o outro - sobre a sua fonte e sobre a sua natureza. A Iluminação, que é o resultado dessa Luz do Espírito, resplandece como um sol que transfigura o sujeito sensibilizado, inconsciente, mas que tem o seu Conhecimento. Um sonho acordado. Uma exaltação que assombra os psicanalistas, tanto ela desconcerta a análise.
Esta transformação do ser procede, como na natureza, de três estágios: a penumbra e a noite fecham os olhos; o nascer do dia faz descobrir e discernir a matéria, o movimento, o acontecimento; depois, o banho de sol que amplifica, doura, transpõe tudo através do seu brilho, e cria no homem um deslumbramento.
Da mesma forma, o espírito confuso, lerdo, e até incompreensivo, desperta com certos agentes, move-se e progride, torna-se mais leve, raciocina, vê mais claro; ele sai da noite para chegar a clarões de inteligência; enfim, ele se irradia, se magnífica, se sublima. “Ciência! Clarões fulgurantes!”, exclamava René Descartes. “Possessão dos mundos interestelares!”, exclamava Goethe, que ao morrer, pedia: Luz, mais Luz. Se os olhos do corpo sabem distinguir os objetos, os olhos do Espírito redobram as suas faculdades; a dupla visão magnífica o sujeito; muitas vezes, ele acreditará estar vendo, não pelo sentido visual, mas pela inflamação exaltante de sua visão interior.
O ser humano, exaltado pela Luz, elevado, transportado, como em estado de levitação, dirige-se para uma transcendência que será mística, metafísica ou artística. Um outro fato a observar é a propensão natural do homem para procurar a Luz. No século XVIII, a Luz foi um fogo do espírito que conjugava ao mesmo tempo um fervor intelectual, que descobre nos caminhos cartesianos o gozo do raciocínio livre, os imensos horizontes da ciência, das novas possibilidades humanas, devidas a uma evolução e a uma revolução moral, em que tudo se tornava possível; e, também, ao mesmo tempo, com esse fogo de artifício do espírito, aparecem um fervor e um refúgio nas fraternidades iniciáticas iluminativas, cujos maravilhosos segredos da Gnose os rosa-cruzes e os maçons detinham nos seus Rituais. Esse foi o século das Luzes. O Conhecimento intuitivo, tradicional, pela Luz dos Rituais.
Não somente o pensador que medita atingirá alturas insuspeitáveis de espírito, não só a alma mística alçará vôo, mas também o eleito aniquilará totalmente a própria vontade para se submeter a um imperativo mais elevado. O sacrifício dos Iluminados pelo fogo é um rito admitido e encorajado por Buda. Essa imolação voluntária no paroxismo do transporte metafísico marca a ascese voluntária ao além, pela recusa da vida, pela aceitação do martírio e pela entrada na morte física.
Esse é o prodígio da transubstanciação, que a Luz visível, conjugada na Luz invisível, opera para grande felicidade do sujeito, aniquilado no seu êxtase espiritual.
Deste modo, pode-se esquematizar o fenômeno da Luz: no primeiro plano, a aquisição de clarões espirituais, um enriquecimento do Eu Superior, um embelezamento pela libertação, pela elevação do Espírito. As sociedades iniciáticas conhecem o seu desenvolvimento nos seus Altos Graus. Acesso à Gnose, através da Estrela Flamejante.
Para o místico, esta é a ascensão, o sentimento da noção de imanência, da sublimação divina. Iluminação será, assim, chegar face a face com a divindade.
Por outro lado, mesmo nas sociedades iniciáticas, exclamava Oswald Wirth, ignora-se a Luz e perde-se o sentido iluminativo dos mistérios tradicionais! É o que se pode chamar de recusa da Luz. Mas, o universo que se descobre pelo encontro com a Luz opõe-se e transcende o universo do mundo profano.
Esta é a Luz, esta é a Iluminação que todo o Maçom deve buscar na ingente caminhada até à sua integração total com Deus, o Grande Arquiteto do Universo.
ANTÓNIO ROCHA FADISTA
M.'. I.'., Loja Cayrú 762 GOERJ / GOB - Brasil
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sexta-feira, 27 de março de 2009

MORRER É PRECISO

A MORTE DE CADA DIA

Num artigo muito interessante, Paulo Angelim, que é arquiteto, pós-graduado em Marketing, dizia mais ou menos o seguinte:

"Nós estamos acostumados a ligar a palavra morte apenas à ausência de vida e isso é um erro. Existem outros tipos de morte e precisamos morrer todo dia. A morte nada mais é do que uma passagem, uma transformação. Não existe planta sem a morte da semente, não existe embrião sem a morte do óvulo e do esperma, não existe borboleta sem a morte da lagarta, isso é óbvio! A morte nada mais é do que o ponto de partida para o início de algo novo.
É a fronteira entre o passado e o futuro. "

Se você quer ser um bom universitário, mate dentro de você o secundarista aéreo que acha que ainda tem muito tempo pela frente.

Quer ser um bom profissional? Então mate dentro de você o universitário descomprometido que acha que a vida se resume a estudar só suficiente para fazer as provas.

Quer ter um bom relacionamento, então mate dentro de você o jovem inseguro ou ciumento ou o solteiro solto que pensa poder fazer planos sozinho, sem ter que dividir espaços, projetos e tempo com mais ninguém.

Enfim, todo processo de evolução exige que matemos o nosso "eu" passado, inferior.

E, qual o risco de não agirmos assim?

O risco está em tentarmos ser duas pessoas ao mesmo tempo, perdendo o nosso foco, comprometendo nossa produtividade e, por fim, prejudicando nosso sucesso.

Muitas pessoas não evoluem porque ficam se agarrando ao que eram, não se projetam para o que serão ou desejam ser.

Elas querem a nova etapa, sem abrir mão da forma como pensavam ou como agiam.

Acabam se transformando em projetos acabados, híbridos, adultos "infantilizados".

Precisamos manter as virtudes de criança que também são necessárias a nós, adultos, como:
brincadeira, sorriso fácil, vitalidade, criatividade etc.

Então, o que você precisa matar em si ainda hoje para que nasça o ser que você tanto deseja ser ?

Pense nisso e morra!
Mas, não esqueça de nascer melhor ainda!

"O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem". Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis." (Fernando Pessoa)
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sábado, 21 de março de 2009

TESTAMENTO DE CAXIAS



"Em nome de Deus, Amém".
Eu, Luiz Alves de Lima, Duque de Caxias, achando-me com saúde e meu perfeito juízo, ordeno o meu testamento, da maneira seguinte: sou católico romano, tenho nesta fé vivido, e pretendo morrer.
Sou natural do Rio de Janeiro, batizado na freguesia de Inhamerim; filho legítimo do Marechal Francisco de Lima e Silva, e de sua legítima Mulher, dona Mariana Cândida Bello de Lima, ambos já falecidos.
Fui casado a face da Igreja com a virtuosa dona Anna Luiza Carneiro Viana de Lima, Duquesa de Caxias, já falecida, de cujo matrimônio restam dois filhos que são Luiza e Anna, as quais se acham casadas; a primeira com Francisco Nicolas Carneiro Nogueira da Gama, e a segunda, com Manoel Carneiro da Silva, as quais são as minhas legítimas herdeiras.
Declaro que nomeio meus testamenteiros, em 1º lugar, o meu genro Francisco Nicolas, em 2º meu genro Manoel Carneiro, em 3º meu irmão e amigo, o Visconde de Tocantins, e lhes rogo que aceitem esta testamentária, da qual só darão contas no fim de dois anos.
Recomendo a estes que quero que meu enterro seja feito, sem pompa alguma, e só como irmão da Cruz dos Militares, no grau que ali tenho. Dispensando o estado da Casa Imperial, que se costuma a mandar aos que exercem o cargo que tenho.
Não desejo mesmo, que se façam convites pro meu enterro, porque os meus amigos que me quizerem fazer este favor, não precisam dessa formalidade e muito menos consintam os meus filhos que eu seja embalsamado.
Logo que eu falecer deve o meu testamenteiro fazer saber ao Quartel General, e ao ministro da Guerra que dispenso as honras fúnebres que me pertencem como Marechal do Exército e que só desejo que me mandem seis soldados, escolhidos dos mais antigos, e melhor conduta, dos corpos da Guarnição, pra pegar as argolas do meu caixão, a cada um dos quais o meu testamenteiro, no fim do enterro, dará 30$000 de gratificação.
Declaro que deixo ao meu criado, Luiz Alves, quatrocentos mil réis e toda a roupa do meu uso.
Deixo ao meu amigo e companheiro de trabalho, João de Souza da Fonseca Costa, como sinal de lembrança, todas as minhas armas, inclusive a espada com que comandei, seis vezes, em campanha, e o cavalo de minha montaria, arreado com os arreios melhores que tiver na ocasião da minha morte.
Deixo à minha irmã, a Baroneza de Suruhi, as minhas condecorações de brilhantes da ordem de Pedro I como sinal de lembrança e a meu irmão, o Visconde de Tocantins, meu candieiro de prata, que herdei do meu pai.
Deixo meu relógio de ouro com a competente corrente ao Capitão Salustiano de Barros Albuquerque, também como lembrança pela lealdade com que tem me servido como amanuense.
Deixo à minha afilhada Anna Eulália de Noronha, casada com o Capitão Noronha, dois contos de réis. Cumpridas estas disposições, que deverão sair da minha terça, tudo o mais que possuo será repartido com as minhas duas filhas Anna e Luiza, acima declaradas.
Mais nada tenho a dispor, dou por findo o meu testamento, rogando as justiças do país, que o façam cumprir por ser esta a minha última vontade escrita por mim e assinada.
Rio de Janeiro, 23 Abr 1874 -
Luis Alves de Lima
Duque de Caxias

Colaboração: Ir.: Athanasio
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quinta-feira, 19 de março de 2009

Uma Lição de Maçonaria para Maçons



Escrito por Fonte: Web Site blogs.parlamento.pt
Caros Irmãos:

Eis uma grande lição de maçonaria para os Maçons, após transcorridos 200 anos.


Tocqueville e o lugar da liberdade

Alexis de Tocqueville nasceu há duzentos anos, em 29 de Julho de 1805, e merece ser recordado pelo pioneirismo das suas análises e das suas preocupações. A argúcia, o realismo, a inteligência e as circunstâncias em que viveu fizeram deste aristocrata liberal um dos melhores estudiosos da Revolução, através de uma obra fundamental, que põe em confronto o Antigo Regime e as mudanças iniciadas em França no ano de 1789, e o melhor dos analistas da Revolução americana e das suas conseqüências. Viu, assim, com notável espírito de antecipação, os perigos que se desenhavam, mas também as potencialidades em resultado das revoluções democráticas, inglesa, americana e francesa. À força do destino e do fatalismo atávicos soube contrapor as idéias de liberdade, de autonomia individual e de responsabilidade, que conduziriam à emancipação pessoal. A sociedade americana construiu-se dentro deste espírito e afirmou-se contra o colonizador, valorizando o “outro” que vinha de longe construir a nova nação. Assim se criaram os mecanismos de coesão e de confiança, indispensáveis à preservação de um regime baseado na liberdade, na igualdade e no respeito mútuo por diferentes crenças e convicções. Tocqueville (1805-1859) fez, assim, uma leitura da democracia americana contrapondo-a à necessidade da revolução, afirmando que “quem procura na liberdade outra coisa diferente dela mesma, é porque está feito para servir”… E, assim, enriqueceu o conceito de comunidade política com o entendimento pioneiro de um federalismo de dupla legitimidade, da União e dos cidadãos, apto a consolidar o entendimento moderno de cidadania universal. O “primado da lei” torna-se, desta forma, “uma espécie de amor instintivo pelo encadeamento regular das idéias que tornam (os cidadãos) naturalmente fortes opositores do espírito revolucionário e das paixões irrefletidas da democracia”.


"Julgar os fatos, mais do que contá-los", eis a vocação do jovem autor. E não haja dúvidas sobre a importância dessa atitude. Alexis de Tocqueville colocou-se na situação de quem quis verificar como as sociedades poderiam lidar com a liberdade e a dignidade da pessoa humana. Estamos perante uma mistura entre história propriamente dita e filosofia da história. Mais importante do que seguir os caprichos de um governo, importaria seguir e respeitar as leis livremente consentidas pela sociedade dos cidadãos, que a todos consideram como iguais. Tocqueville viu, assim, antes de muitos outros, como se iria configurar a sociedade em que hoje vivemos, onde a igualdade se tornou a verdadeira pedra de toque, mas também o quebra-cabeças. Pedra de toque, porque a liberdade exige a igual consideração e respeito de todos. Quebra-cabeças porque há um dilema permanente entre a liberdade e o reconhecimento das diferenças, que conduz ora à tirania do igualitarismo ora à abstração da liberdade. Liberdade positiva e liberdade negativa, eis-nos sempre perante a complementaridade necessária entre igualdade e diferença… “Aquilo que em todos os tempos ancorou a liberdade no coração de alguns homens foi o seu encanto próprio, independentemente dos seus benefícios, foi o prazer de poder falar, agir, respirar sem constrangimento, sob o único governo de Deus e das leis” – disse em “O Antigo Regime e a Revolução” (1856).


Entre Abril de 1831 e Março de 1832, o jovem Alexis partiu para a América a realizar um estudo sobre o sistema prisional nos E.U.A., para que se pudesse transpor para França algumas das soluções praticadas no novíssimo País. A Revolução de Julho de 1830, pusera no trono um rei moderno e reformista, Luís Filipe de Orleães, à frente de uma plêiade de governantes de horizontes abertos, que poderia favorecer importantes transformações sociais. Tocqueville, discípulo e admirador de um dos homens da nova situação (Guizot) acreditava sinceramente nas virtudes reformistas. E fez esta viagem com olhos de futuro, passadas que estavam a ilusão e a ambigüidade da Restauração, as contradições insanáveis do Império e a cegueira mais radical da Revolução. Curiosamente, o estudo sobre as prisões jaz nos arquivos, mas a reflexão complementar – “Da Democracia na América” (1835-40) que deu à estampa tornou-se uma obra-prima da cultura política ocidental.


E, se hoje lemos com um interesse redobrado a obra-prima, monumento de inteligência e de curiosidade, a verdade é que nele ressalta o mais difícil, mas o mais essencial dos conceitos políticos da atualidade - o de igualdade. Quantos projetos vãos? Quantas tiranias se erigiram em seu nome? E, no entanto seria pela ligação entre liberdade e igualdade que poderíamos encontrar os novos caminhos de coesão e de solidariedade cívica. E Tocqueville demarcou-se, neste como noutros temas, do pensamento conservador, encontrando-se com a tradição antiga dos reformadores da antiguidade. “As nações aristocráticas – diz – são naturalmente levadas a contrair demasiadamente os limites da perfectibilidade humana, ao passo que as nações democráticas os alargam, por vezes excessivamente. Quanto a mim, conclui, longe de criticar a insubmissão que a igualdade inspira, é precisamente por isso que a enalteço”. A insubmissão é marca de liberdade e independência. O conformismo igualitarista, aliado à mediocridade, seriam perigos que levariam à tirania à indiferença. Importaria, por isso, garantir que igualdade e liberdade se completassem. Daí a importância do associativismo livre, da liberdade de imprensa, da liberdade religiosa (e de um “cristianismo democrático e republicano”, para o qual a verdade política foi deixada por Deus “às livres indagações dos homens”), bem como da vivência comum dos valores da cidadania, contra o egoísmo e a inveja. Por isso mesmo, A. de Tocqueville profetiza que não será a igualdade a causar perturbações sociais, mas sim a desigualdade de condições, antecipando a importância dos grandes combates cívicos e políticos das sociedades contemporâneas.


Raymond Aron foi talvez o primeiro a compreender a força e a atualidade de Tocqueville, colocando-o ao lado de Montesquieu, no fino entendimento das condições e das conseqüências sociais dos regimes políticos. Ao refletir sobre a política, com o seu valor próprio, o autor lançou as bases de uma análise que pôde ultrapassar as fronteiras do tempo. Pessoas concretas e instituições interessavam-no. O fenômeno político seria o resultado de uma relação entre o que permanece e o que passa, os conflitos tornar-se-iam tão importantes como os equilíbrios, a moderação só teria sentido se coexistisse com a radicalidade, a autonomia fortalecer-se-ia com o altruísmo, a laicidade pressuporia o respeito pelo fenômeno religioso. “A religião entre os americanos nunca se encontra diretamente envolvida no governo da sociedade, deve ser considerada, no entanto, a primeira das suas instituições políticas, pois se não cria o gosto da liberdade, facilita, singularmente, o seu uso”. Infelizmente, há quem hoje não entenda esta afirmação. A atualidade da escrita de Tocqueville vem da força de uma ética e do despojamento das considerações valorativas datadas e previsíveis. E assim o pluralismo e o respeito mútuo surgem como fatores de enriquecimento humano, social e político - porque a liberdade só faz sentido quando assumida, por si mesma, por iguais e entre iguais, em dignidade e em direitos.

Publicado em sexta-feira, 29 de Julho de 2005 10:36

Fonte: Web Site blogs.parlamento.pt (Casa dos Comuns – Parlamento de Portugal)
Adm. Anatoli Oliynik
Curitiba - Paraná
"Alguns homens atravessam a floresta e não encontram lenha" (Provérbio inglês)

Se Perguntarem: QUANTOS SOIS VÓS? Respondereis: SOMOS UM SÓ.
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A Carta, de Pero Vaz de Caminha

Texto proveniente de:
Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística
Universidade Federal de Santa Catarina
Permitido o uso apenas para fins educacionais.
Edição de base:
Carta a El Rei D. Manuel, Dominus : São Paulo, 1963.

Senhor,

posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento
desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza,
assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos fazer!

Todavia tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, a qual bem certo creia que, para aformosentar nem afear,
aqui não há de pôr mais do que aquilo que vi e me pareceu.

Da marinhagem e das singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza -- porque o não saberei fazer -- e os
pilotos devem ter este cuidado.

E portanto, Senhor, do que hei de falar começo:

E digo quê:

A partida de Belém foi -- como Vossa Alteza sabe, segunda-feira 9 de março. E sábado, 14 do dito mês, entre as 8 e 9
horas, nos achamos entre as Canárias, mais perto da Grande Canária. E ali andamos todo aquele dia em calma, à vista delas,
obra de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo
Verde, a saber da ilha de São Nicolau, segundo o dito de Pero Escolar, piloto.

Na noite seguinte à segunda-feira amanheceu, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com a sua nau, sem haver tempo forte ou
contrário para poder ser !

Fez o capitão suas diligências para o achar, em umas e outras partes. Mas... não apareceu mais !

E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de
abril, topamos alguns sinais de terra, estando da dita Ilha -- segundo os pilotos diziam, obra de 660 ou 670 léguas -- os quais
eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, e assim mesmo outras a que dão o nome
de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam furabuchos.

Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e
redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs
o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz!

Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças. E ao sol-posto umas seis léguas da terra, lançamos ancoras, em
dezenove braças -- ancoragem limpa. Ali ficamo-nos toda aquela noite. E quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos
em direitura à terra, indo os navios pequenos diante -- por dezessete, dezesseis, quinze, catorze, doze, nove braças -- até
meia légua da terra, onde todos lançamos ancoras, em frente da boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez
horas, pouco mais ou menos.

E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos que chegaram
primeiro.

Então lançamos fora os batéis e esquifes. E logo vieram todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor. E ali falaram.
E o Capitão mandou em terra a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou a ir-se para lá, acudiram pela
praia homens aos dois e aos três, de maneira que, quando o batel chegou à boca do rio, já lá estavam dezoito ou vinte.

Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos
rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde
deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente arremessou-lhe um barrete
vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro de
penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um ramal
grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa
Alteza. E com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar.

À noite seguinte ventou tanto sueste com chuvaceiros que fez caçar as naus. E especialmente a Capitaina. E sexta pela
manhã, às oito horas, pouco mais ou menos, por conselho dos pilotos, mandou o Capitão levantar ancoras e fazer vela. E
fomos de longo da costa, com os batéis e esquifes amarrados na popa, em direção norte, para ver se achávamos alguma
abrigada e bom pouso, onde nós ficássemos, para tomar água e lenha. Não por nos já minguar, mas por nos prevenirmos
aqui. E quando fizemos vela estariam já na praia assentados perto do rio obra de sessenta ou setenta homens que se haviam
juntado ali aos poucos. Fomos ao longo, e mandou o Capitão aos navios pequenos que fossem mais chegados à terra e, se
achassem pouso seguro para as naus, que amainassem.

E velejando nós pela costa, na distância de dez léguas do sítio onde tínhamos levantado ferro, acharam os ditos navios
pequenos um recife com um porto dentro, muito bom e muito seguro, com uma mui larga entrada. E meteram-se dentro e
amainaram. E as naus foram-se chegando, atrás deles. E um pouco antes de sol-pôsto amainaram também, talvez a uma
légua do recife, e ancoraram a onze braças.

E estando Afonso Lopez, nosso piloto, em um daqueles navios pequenos, foi, por mandado do Capitão, por ser homem vivo
e destro para isso, meter-se logo no esquife a sondar o porto dentro. E tomou dois daqueles homens da terra que estavam
numa almadia: mancebos e de bons corpos. Um deles trazia um arco, e seis ou sete setas. E na praia andavam muitos com
seus arcos e setas; mas não os aproveitou. Logo, já de noite, levou-os à Capitaina, onde foram recebidos com muito prazer e
festa.

A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem
cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca
disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento
de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de
dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali
encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber.

Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados
todavia por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na parte detrás, uma espécie de
cabeleira, de penas de ave amarela, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço
e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição branda como, de maneira tal que a cabeleira
era mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.

O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, aos pés uma alcatifa por estrado; e bem vestido, com um
colar de ouro, mui grande, ao pescoço. E Sancho de Tovar, e Simão de Miranda, e Nicolau Coelho, e Aires Corrêa, e nós
outros que aqui na nau com ele íamos, sentados no chão, nessa alcatifa. Acenderam-se tochas. E eles entraram. Mas nem
sinal de cortesia fizeram, nem de falar ao Capitão; nem a alguém. Todavia um deles fitou o colar do Capitão, e começou a
fazer acenos com a mão em direção à terra, e depois para o colar, como se quisesse dizer-nos que havia ouro na terra. E
também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá
também houvesse prata!

Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se
os houvesse ali.

Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele.

Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas como
espantados.

Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo quase
nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora.

Trouxeram-lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram dele nada, nem quiseram mais.

Trouxeram-lhes água em uma albarrada, provaram cada um o seu bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as bocas e
lançaram-na fora.

Viu um deles umas contas de rosário, brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço; e
depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do Capitão,
como se dariam ouro por aquilo.

Isto tomávamos nós nesse sentido, por assim o desejarmos! Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto
não queríamos nós entender, por que lho não havíamos de dar! E depois tornou as contas a quem lhas dera. E então
estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir sem procurarem maneiras de encobrir suas vergonhas, as quais não eram fanadas;
e as cabeleiras delas estavam bem rapadas e feitas.

O Capitão mandou pôr por baixo da cabeça de cada um seu coxim; e o da cabeleira esforçava-se por não a estragar. E
deitaram um manto por cima deles; e consentindo, aconchegaram-se e adormeceram.

Sábado pela manhã mandou o Capitão fazer vela, fomos demandar a entrada, a qual era mui larga e tinha seis a sete braças
de fundo. E entraram todas as naus dentro, e ancoraram em cinco ou seis braças -- ancoradouro que é tão grande e tão
formoso de dentro, e tão seguro que podem ficar nele mais de duzentos navios e naus. E tanto que as naus foram distribuídas
e ancoradas, vieram os capitães todos a esta nau do Capitão-mor. E daqui mandou o Capitão que Nicolau Coelho e
Bartolomeu Dias fossem em terra e levassem aqueles dois homens, e os deixassem ir com seu arco e setas, aos quais mandou
dar a cada um uma camisa nova e uma carapuça vermelha e um rosário de contas brancas de osso, que foram levando nos
braços, e um cascavel e uma campainha. E mandou com eles, para lá ficar, um mancebo degredado, criado de dom João
Telo, de nome Afonso Ribeiro, para lá andar com eles e saber de seu viver e maneiras. E a mim mandou que fosse com
Nicolau Coelho. Fomos assim de frecha direitos à praia. Ali acudiram logo perto de duzentos homens, todos nus, com arcos
e setas nas mãos. Aqueles que nós levamos acenaram-lhes que se afastassem e depusessem os arcos. E eles os depuseram.
Mas não se afastaram muito. E mal tinham pousado seus arcos quando saíram os que nós levávamos, e o mancebo
degredado com eles. E saídos não pararam mais; nem esperavam um pelo outro, mas antes corriam a quem mais correria. E
passaram um rio que aí corre, de água doce, de muita água que lhes dava pela braga. E muitos outros com eles. E foram
assim correndo para além do rio entre umas moitas de palmeiras onde estavam outros. E ali pararam. E naquilo tinha ido o
degredado com um homem que, logo ao sair do batel, o agasalhou e levou até lá. Mas logo o tornaram a nós. E com ele
vieram os outros que nós leváramos, os quais vinham já nus e sem carapuças.

E então se começaram de chegar muitos; e entravam pela beira do mar para os batéis, até que mais não podiam. E traziam
cabaças d'água, e tomavam alguns barris que nós levávamos e enchiam-nos de água e traziam-nos aos batéis. Não que eles
de todo chegassem a bordo do batel. Mas junto a ele, lançavam-nos da mão. E nós tomávamo-los. E pediam que lhes
dessem alguma coisa.

Levava Nicolau Coelho cascavéis e manilhas. E a uns dava um cascavel, e a outros uma manilha, de maneira que com aquela
encarna quase que nos queriam dar a mão. Davam-nos daqueles arcos e setas em troca de sombreiros e carapuças de linho,
e de qualquer coisa que a gente lhes queria dar.

Dali se partiram os outros, dois mancebos, que não os vimos mais.

Dos que ali andavam, muitos -- quase a maior parte --traziam aqueles bicos de osso nos beiços.

E alguns, que andavam sem eles, traziam os beiços furados e nos buracos traziam uns espelhos de pau, que pareciam
espelhos de borracha. E alguns deles traziam três daqueles bicos, a saber um no meio, e os dois nos cabos.

E andavam lá outros, quartejados de cores, a saber metade deles da sua própria cor, e metade de tintura preta, um tanto
azulada; e outros quartejados d'escaques.

Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e
suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se
envergonhavam.

Ali por então não houve mais fala ou entendimento com eles, por a barbana deles ser tamanha que se não entendia nem ouvia
ninguém. Acenamos-lhes que se fossem. E assim o fizeram e passaram-se para além do rio. E saíram três ou quatro homens
nossos dos batéis, e encheram não sei quantos barris d'água que nós levávamos. E tornamo-nos às naus. E quando assim
vínhamos, acenaram-nos que voltássemos. Voltamos, e eles mandaram o degredado e não quiseram que ficasse lá com eles,
o qual levava uma bacia pequena e duas ou três carapuças vermelhas para lá as dar ao senhor, se o lá houvesse. Não
trataram de lhe tirar coisa alguma, antes mandaram-no com tudo. Mas então Bartolomeu Dias o fez outra vez tornar, que lhe
desse aquilo. E ele tornou e deu aquilo, em vista de nós, a aquele que o da primeira agasalhara. E então veio-se, e nós
levamo-lo.

Esse que o agasalhou era já de idade, e andava por galanteria, cheio de penas, pegadas pelo corpo, que parecia seteado
como São Sebastião. Outros traziam carapuças de penas amarelas; e outros, de vermelhas; e outros de verdes. E uma
daquelas moças era toda tingida de baixo a cima, daquela tintura e certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha tão
graciosa que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhe tais feições envergonhara, por não terem as suas como ela.
Nenhum deles era fanado, mas todos assim como nós.

E com isto nos tornamos, e eles foram-se.

À tarde saiu o Capitão-mor em seu batel com todos nós outros capitães das naus em seus batéis a folgar pela baía, perto da
praia. Mas ninguém saiu em terra, por o Capitão o não querer, apesar de ninguém estar nela. Apenas saiu -- ele com todos
nós -- em um ilhéu grande que está na baía, o qual, aquando baixamar, fica mui vazio. Com tudo está de todas as partes
cercado de água, de sorte que ninguém lá pode ir, a não ser de barco ou a nado. Ali folgou ele, e todos nós, bem uma hora e
meia. E pescaram lá, andando alguns marinheiros com um chinchorro; e mataram peixe miúdo, não muito. E depois
volvemo-nos às naus, já bem noite.

Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão ir ouvir missa e sermão naquele ilhéu. E mandou a todos os
capitães que se arranjassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou armar um pavilhão naquele ilhéu, e
dentro levantar um altar mui bem arranjado. E ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual disse o padre frei Henrique,
em voz entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes que todos assistiram, a qual missa,
segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção.

Ali estava com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saíra de Belém, a qual esteve sempre bem alta, da parte do
Evangelho.

Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene
e proveitosa pregação, da história evangélica; e no fim tratou da nossa vida, e do achamento desta terra, referindo-se à Cruz,
sob cuja obediência viemos, que veio muito a propósito, e fez muita devoção.

Enquanto assistimos à missa e ao sermão, estaria na praia outra tanta gente, pouco mais ou menos, como a de ontem, com
seus arcos e setas, e andava folgando. E olhando-nos, sentaram. E depois de acabada a missa, quando nós sentados
atendíamos a pregação, levantaram-se muitos deles e tangeram corno ou buzina e começaram a saltar e dançar um pedaço. E
alguns deles se metiam em almadias -- duas ou três que lá tinham -- as quais não são feitas como as que eu vi; apenas são
três traves, atadas juntas. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam, não se afastando quase nada da terra, só
até onde podiam tomar pé.

Acabada a pregação encaminhou-se o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa bandeira alta. Embarcamos e
fomos indo todos em direção à terra para passarmos ao longo por onde eles estavam, indo na dianteira, por ordem do
Capitão, Bartolomeu Dias em seu esquife, com um pau de uma almadia que lhes o mar levara, para o entregar a eles. E nós
todos trás dele, a distância de um tiro de pedra.

Como viram o esquife de Bartolomeu Dias, chegaram-se logo todos à água, metendo-se nela até onde mais podiam.
Acenaram-lhes que pousassem os arcos e muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros não os punham.

Andava lá um que falava muito aos outros, que se afastassem. Mas não já que a mim me parecesse que lhe tinham respeito
ou medo. Este que os assim andava afastando trazia seu arco e setas. Estava tinto de tintura vermelha pelos peitos e costas e
pelos quadris, coxas e pernas até baixo, mas os vazios com a barriga e estômago eram de sua própria cor. E a tintura era tão
vermelha que a água lha não comia nem desfazia. Antes, quando saía da água, era mais vermelho. Saiu um homem do esquife
de Bartolomeu Dias e andava no meio deles, sem implicarem nada com ele, e muito menos ainda pensavam em fazer-lhe mal.
Apenas lhe davam cabaças d'água; e acenavam aos do esquife que saíssem em terra. Com isto se volveu Bartolomeu Dias ao
Capitão. E viemo-nos às naus, a comer, tangendo trombetas e gaitas, sem os mais constranger. E eles tornaram-se a sentar
na praia, e assim por então ficaram.

Neste ilhéu, onde fomos ouvir missa e sermão, espraia muito a água e descobre muita areia e muito cascalho. Enquanto lá
estávamos foram alguns buscar marisco e não no acharam. Mas acharam alguns camarões grossos e curtos, entre os quais
vinha um muito grande e muito grosso; que em nenhum tempo o vi tamanho. Também acharam cascas de berbigões e de
amêijoas, mas não toparam com nenhuma peça inteira. E depois de termos comido vieram logo todos os capitães a esta nau,
por ordem do Capitão-mor, com os quais ele se aportou; e eu na companhia. E perguntou a todos se nos parecia bem
mandar a nova do achamento desta terra a Vossa Alteza pelo navio dos mantimentos, para a melhor mandar descobrir e
saber dela mais do que nós podíamos saber, por irmos na nossa viagem.

E entre muitas falas que sobre o caso se fizeram foi dito, por todos ou a maior parte, que seria muito bem. E nisto
concordaram. E logo que a resolução foi tomada, perguntou mais, se seria bem tomar aqui por força um par destes homens
para os mandar a Vossa Alteza, deixando aqui em lugar deles outros dois destes degredados.

E concordaram em que não era necessário tomar por força homens, porque costume era dos que assim à força levavam para
alguma parte dizerem que há de tudo quanto lhes perguntam; e que melhor e muito melhor informação da terra dariam dois
homens desses degredados que aqui deixássemos do que eles dariam se os levassem por ser gente que ninguém entende.
Nem eles cedo aprenderiam a falar para o saberem tão bem dizer que muito melhor estoutros o não digam quando cá Vossa
Alteza mandar.

E que portanto não cuidássemos de aqui por força tomar ninguém, nem fazer escândalo; mas sim, para os de todo amansar e
apaziguar, unicamente de deixar aqui os dois degredados quando daqui partíssemos.

E assim ficou determinado por parecer melhor a todos.

Acabado isto, disse o Capitão que fôssemos nos batéis em terra. E ver-se-ia bem, quejando era o rio. Mas também para
folgarmos.

Fomos todos nos batéis em terra, armados; e a bandeira conosco. Eles andavam ali na praia, à boca do rio, para onde nós
íamos; e, antes que chegássemos, pelo ensino que dantes tinham, puseram todos os arcos, e acenaram que saíssemos. Mas,
tanto que os batéis puseram as proas em terra, passaram-se logo todos além do rio, o qual não é mais ancho que um jogo de
mancal. E tanto que desembarcamos, alguns dos nossos passaram logo o rio, e meteram-se entre eles. E alguns aguardavam;
e outros se afastavam. Com tudo, a coisa era de maneira que todos andavam misturados. Eles davam desses arcos com suas
setas por sombreiros e carapuças de linho, e por qualquer coisa que lhes davam. Passaram além tantos dos nossos e
andaram assim misturados com eles, que eles se esquivavam, e afastavam-se; e iam alguns para cima, onde outros estavam. E
então o Capitão fez que o tomassem ao colo dois homens e passou o rio, e fez tornar a todos. A gente que ali estava não
seria mais que aquela do costume. Mas logo que o Capitão chamou todos para trás, alguns se chegaram a ele, não por o
reconhecerem por Senhor, mas porque a gente, nossa, já passava para aquém do rio. Ali falavam e traziam muitos arcos e
continhas, daquelas já ditas, e resgatavam-nas por qualquer coisa, de tal maneira que os nossos levavam dali para as naus
muitos arcos, e setas e contas.

E então tornou-se o Capitão para aquém do rio. E logo acudiram muitos à beira dele.

Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim pelos corpos como pelas pernas, que, certo, assim
pareciam bem. Também andavam entre eles quatro ou cinco mulheres, novas, que assim nuas, não pareciam mal. Entre elas
andava uma, com uma coxa, do joelho até o quadril e a nádega, toda tingida daquela tintura preta; e todo o resto da sua cor
natural. Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas, e
com tanta inocência assim descobertas, que não havia nisso desvergonha nenhuma.

Também andava lá outra mulher, nova, com um menino ou menina, atado com um pano aos peitos, de modo que não se lhe
viam senão as perninhas. Mas nas pernas da mãe, e no resto, não havia pano algum.

Em seguida o Capitão foi subindo ao longo do rio, que corre rente à praia. E ali esperou por um velho que trazia na mão uma
pá de almadia. Falou, enquanto o Capitão estava com ele, na presença de todos nós; mas ninguém o entendia, nem ele a nós,
por mais coisas que a gente lhe perguntava com respeito a ouro, porque desejávamos saber se o havia na terra.

Trazia este velho o beiço tão furado que lhe cabia pelo buraco um grosso dedo polegar. E trazia metido no buraco uma
pedra verde, de nenhum valor, que fechava por fora aquele buraco. E o Capitão lha fez tirar. E ele não sei que diabo falava e
ia com ela para a boca do Capitão para lha meter. Estivemos rindo um pouco e dizendo chalaças sobre isso. E então
enfadou-se o Capitão, e deixou-o. E um dos nossos deu-lhe pela pedra um sombreiro velho; não por ela valer alguma coisa,
mas para amostra. E depois houve-a o Capitão, creio, para mandar com as outras coisas a Vossa Alteza.

Andamos por aí vendo o ribeiro, o qual é de muita água e muito boa. Ao longo dele há muitas palmeiras, não muito altas; e
muito bons palmitos. Colhemos e comemos muitos deles.

Depois tornou-se o Capitão para baixo para a boca do rio, onde tínhamos desembarcado.

E além do rio andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante os outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no
bem. Passou-se então para a outra banda do rio Diogo Dias, que fora almoxarife de Sacavém, o qual é homem gracioso e de
prazer. E levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se a dançar com eles, tomando-os pelas mãos; e eles
folgavam e riam e andavam com ele muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem fez ali muitas voltas ligeiras, andando
no chão, e salto real, de que se eles espantavam e riam e folgavam muito. E conquanto com aquilo os segurou e afagou muito,
tomavam logo uma esquiveza como de animais montezes, e foram-se para cima.

E então passou o rio o Capitão com todos nós, e fomos pela praia, de longo, ao passo que os batéis iam rentes à terra. E
chegamos a uma grande lagoa de água doce que está perto da praia, porque toda aquela ribeira do mar é apaulada por cima
e sai a água por muitos lugares.

E depois de passarmos o rio, foram uns sete ou oito deles meter-se entre os marinheiros que se recolhiam aos batéis. E
levaram dali um tubarão que Bartolomeu Dias matou. E levavam-lho; e lançou-o na praia.

Bastará que até aqui, como quer que se lhes em alguma parte amansassem, logo de uma mão para outra se esquivavam,
como pardais do cevadouro. Ninguém não lhes ousa falar de rijo para não se esquivarem mais. E tudo se passa como eles
querem -- para os bem amansarmos !

Ao velho com quem o Capitão havia falado, deu-lhe uma carapuça vermelha. E com toda a conversa que com ele houve, e
com a carapuça que lhe deu tanto que se despediu e começou a passar o rio, foi-se logo recatando. E não quis mais tornar
do rio para aquém. Os outros dois o Capitão teve nas naus, aos quais deu o que já ficou dito, nunca mais aqui apareceram --
fatos de que deduzo que é gente bestial e de pouco saber, e por isso tão esquiva. Mas apesar de tudo isso andam bem
curados, e muito limpos. E naquilo ainda mais me convenço que são como aves, ou alimárias montezinhas, as quais o ar faz
melhores penas e melhor cabelo que às mansas, porque os seus corpos são tão limpos e tão gordos e tão formosos que não
pode ser mais! E isto me faz presumir que não tem casas nem moradias em que se recolham; e o ar em que se criam os faz
tais. Nós pelo menos não vimos até agora nenhumas casas, nem coisa que se pareça com elas.

Mandou o Capitão aquele degredado, Afonso Ribeiro, que se fosse outra vez com eles. E foi; e andou lá um bom pedaço,
mas a tarde regressou, que o fizeram eles vir: e não o quiseram lá consentir. E deram-lhe arcos e setas; e não lhe tomaram
nada do seu. Antes, disse ele, que lhe tomara um deles umas continhas amarelas que levava e fugia com elas, e ele se queixou
e os outros foram logo após ele, e lhas tomaram e tornaram-lhas a dar; e então mandaram-no vir. Disse que não vira lá entre
eles senão umas choupaninhas de rama verde e de feteiras muito grandes, como as de Entre Douro e Minho. E assim nos
tornamos às naus, já quase noite, a dormir.

Segunda-feira, depois de comer, saímos todos em terra a tomar água. Ali vieram então muitos; mas não tantos como as
outras vezes. E traziam já muito poucos arcos. E estiveram um pouco afastados de nós; mas depois pouco a pouco
misturaram-se conosco; e abraçavam-nos e folgavam; mas alguns deles se esquivavam logo. Ali davam alguns arcos por
folhas de papel e por alguma carapucinha velha e por qualquer coisa. E de tal maneira se passou a coisa que bem vinte ou
trinta pessoas das nossas se foram com eles para onde outros muitos deles estavam com moças e mulheres. E trouxeram de
lá muitos arcos e barretes de penas de aves, uns verdes, outros amarelos, dos quais creio que o Capitão há de mandar uma
amostra a Vossa Alteza.

E segundo diziam esses que lá tinham ido, brincaram com eles. Neste dia os vimos mais de perto e mais à nossa vontade, por
andarmos quase todos misturados: uns andavam quartejados daquelas tinturas, outros de metades, outros de tanta feição
como em pano de ras, e todos com os beiços furados, muitos com os ossos neles, e bastantes sem ossos. Alguns traziam uns
ouriços verdes, de árvores, que na cor queriam parecer de castanheiras, embora fossem muito mais pequenos. E estavam
cheios de uns grãos vermelhos, pequeninos que, esmagando-se entre os dedos, se desfaziam na tinta muito vermelha de que
andavam tingidos. E quanto mais se molhavam, tanto mais vermelhos ficavam.

Todos andam rapados até por cima das orelhas; assim mesmo de sobrancelhas e pestanas.

Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas de tintura preta, que parece uma fita preta da largura de dois dedos.

E o Capitão mandou aquele degredado Afonso Ribeiro e a outros dois degredados que fossem meter-se entre eles; e assim
mesmo a Diogo Dias, por ser homem alegre, com que eles folgavam. E aos degredados ordenou que ficassem lá esta noite.

Foram-se lá todos; e andaram entre eles. E segundo depois diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que
haveria nove ou dez casas, as quais diziam que eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitaina. E eram de madeira,
e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoável altura; e todas de um só espaço, sem repartição alguma, tinham de
dentro muitos esteios; e de esteio a esteio uma rede atada com cabos em cada esteio, altas, em que dormiam. E de baixo,
para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma numa extremidade, e outra na oposta.
E diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os encontraram; e que lhes deram de comer
dos alimentos que tinham, a saber muito inhame, e outras sementes que na terra dá, que eles comem. E como se fazia tarde
fizeram-nos logo todos tornar; e não quiseram que lá ficasse nenhum. E ainda, segundo diziam, queriam vir com eles.
Resgataram lá por cascavéis e outras coisinhas de pouco valor, que levavam, papagaios vermelhos, muito grandes e
formosos, e dois verdes pequeninos, e carapuças de penas verdes, e um pano de penas de muitas cores, espécie de tecido
assaz belo, segundo Vossa Alteza todas estas coisas verá, porque o Capitão vo-las há de mandar, segundo ele disse. E com
isto vieram; e nós tornamo-nos às naus.

Terça-feira, depois de comer, fomos em terra, fazer lenha, e para lavar roupa. Estavam na praia, quando chegamos, uns
sessenta ou setenta, sem arcos e sem nada. Tanto que chegamos, vieram logo para nós, sem se esquivarem. E depois
acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos. E misturaram-se todos tanto conosco que uns nos ajudavam a
acarretar lenha e metê-las nos batéis. E lutavam com os nossos, e tomavam com prazer. E enquanto fazíamos a lenha,
construíam dois carpinteiros uma grande cruz de um pau que se ontem para isso cortara. Muitos deles vinham ali estar com
os carpinteiros. E creio que o faziam mais para verem a ferramenta de ferro com que a faziam do que para verem a cruz,
porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um
pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, porque lhas viram lá. Era já a conversação deles
conosco tanta que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer.

E o Capitão mandou a dois degredados e a Diogo Dias que fossem lá à aldeia e que de modo algum viessem a dormir às
naus, ainda que os mandassem embora. E assim se foram.

Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios essas árvores; verdes uns, e pardos, outros,
grandes e pequenos, de sorte que me parece que haverá muitos nesta terra. Todavia os que vi não seriam mais que nove ou
dez, quando muito. Outras aves não vimos então, a não ser algumas pombas-seixeiras, e pareceram-me maiores bastante do
que as de Portugal. Vários diziam que viram rolas, mas eu não as vi. Todavia segundo os arvoredos são mui muitos e
grandes, e de infinitas espécies, não duvido que por esse sertão haja muitas aves!

E cerca da noite nós volvemos para as naus com nossa lenha.

Eu creio, Senhor, que não dei ainda conta aqui a Vossa Alteza do feitio de seus arcos e setas. Os arcos são pretos e
compridos, e as setas compridas; e os ferros delas são canas aparadas, conforme Vossa Alteza verá alguns que creio que o
Capitão a Ela há de enviar.

Quarta-feira não fomos em terra, porque o Capitão andou todo o dia no navio dos mantimentos a despejá-lo e fazer levar às
naus isso que cada um podia levar. Eles acudiram à praia, muitos, segundo das naus vimos. Seriam perto de trezentos,
segundo Sancho de Tovar que para lá foi. Diogo Dias e Afonso Ribeiro, o degredado, aos quais o Capitão ontem ordenara
que de toda maneira lá dormissem, tinham voltado já de noite, por eles não quererem que lá ficassem. E traziam papagaios
verdes; e outras aves pretas, quase como pegas, com a diferença de terem o bico branco e rabos curtos. E quando Sancho
de Tovar recolheu à nau, queriam vir com ele, alguns; mas ele não admitiu senão dois mancebos, bem dispostos e homens de
prol. Mandou pensar e curá-los mui bem essa noite. E comeram toda a ração que lhes deram, e mandou dar-lhes cama de
lençóis, segundo ele disse. E dormiram e folgaram aquela noite. E não houve mais este dia que para escrever seja.

Quinta-feira, derradeiro de abril, comemos logo, quase pela manhã, e fomos em terra por mais lenha e água. E em querendo
o Capitão sair desta nau, chegou Sancho de Tovar com seus dois hóspedes. E por ele ainda não ter comido, puseram-lhe
toalhas, e veio-lhe comida. E comeu. Os hóspedes, sentaram-no cada um em sua cadeira. E de tudo quanto lhes deram,
comeram mui bem, especialmente lacão cozido frio, e arroz. Não lhes deram vinho por Sancho de Tovar dizer que o não
bebiam bem.

Acabado o comer, metemo-nos todos no batel, e eles conosco. Deu um grumete a um deles uma armadura grande de porco
montês, bem revolta. E logo que a tomou meteu-a no beiço; e porque se lhe não queria segurar, deram-lhe uma pouca de
cera vermelha. E ele ajeitou-lhe seu adereço da parte de trás de sorte que segurasse, e meteu-a no beiço, assim revolta para
cima; e ia tão contente com ela, como se tivesse uma grande jóia. E tanto que saímos em terra, foi-se logo com ela. E não
tornou a aparecer lá.

Andariam na praia, quando saímos, oito ou dez deles; e de aí a pouco começaram a vir. E parece-me que viriam este dia a
praia quatrocentos ou quatrocentos e cinqüenta. Alguns deles traziam arcos e setas; e deram tudo em troca de carapuças e
por qualquer coisa que lhes davam. Comiam conosco do que lhes dávamos, e alguns deles bebiam vinho, ao passo que
outros o não podiam beber. Mas quer-me parecer que, se os acostumarem, o hão de beber de boa vontade! Andavam
todos tão bem dispostos e tão bem feitos e galantes com suas pinturas que agradavam. Acarretavam dessa lenha quanta
podiam, com mil boas vontades, e levavam-na aos batéis. E estavam já mais mansos e seguros entre nós do que nós
estávamos entre eles.

Foi o Capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo até um ribeiro grande, e de muita água, que ao nosso parecer
é o mesmo que vem ter à praia, em que nós tomamos água. Ali descansamos um pedaço, bebendo e folgando, ao longo dele,
entre esse arvoredo que é tanto e tamanho e tão basto e de tanta qualidade de folhagem que não se pode calcular. Há lá
muitas palmeiras, de que colhemos muitos e bons palmitos.

Ao sairmos do batel, disse o Capitão que seria bom irmos em direitura à cruz que estava encostada a uma árvore, junto ao
rio, a fim de ser colocada amanhã, sexta-feira, e que nos puséssemos todos de joelhos e a beijássemos para eles verem o
acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. E a esses dez ou doze que lá estavam, acenaram-lhes que fizessem o mesmo;
e logo foram todos beijá-la.

Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm
nem entendem crença alguma, segundo as aparências. E portanto se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a
sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na
nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade. E
imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons
rostos, como a homens bons. E o Ele nos para aqui trazer creio que não foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, pois tanto
deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da salvação deles. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim!

Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja
acostumado ao viver do homem. E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a
terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e
legumes comemos.

Nesse dia, enquanto ali andavam, dançaram e bailaram sempre com os nossos, ao som de um tamboril nosso, como se
fossem mais amigos nossos do que nós seus. Se lhes a gente acenava, se queriam vir às naus, aprontavam-se logo para isso,
de modo tal, que se os convidáramos a todos, todos vieram. Porém não levamos esta noite às naus senão quatro ou cinco; a
saber, o Capitão-mor, dois; e Simão de Miranda, um que já trazia por pagem; e Aires Gomes a outro, pagem também. Os
que o Capitão trazia, era um deles um dos seus hóspedes que lhe haviam trazido a primeira vez quando aqui chegamos -- o
qual veio hoje aqui vestido na sua camisa, e com ele um seu irmão; e foram esta noite mui bem agasalhados tanto de comida
como de cama, de colchões e lençóis, para os mais amansar.

E hoje que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima
do rio, contra o sul onde nos pareceu que seria melhor arvorar a cruz, para melhor ser vista. E ali marcou o Capitão o sítio
onde haviam de fazer a cova para a fincar. E enquanto a iam abrindo, ele com todos nós outros fomos pela cruz, rio abaixo
onde ela estava. E com os religiosos e sacerdotes que cantavam, à frente, fomos trazendo-a dali, a modo de procissão. Eram
já aí quantidade deles, uns setenta ou oitenta; e quando nos assim viram chegar, alguns se foram meter debaixo dela,
ajudar-nos. Passamos o rio, ao longo da praia; e fomos colocá-la onde havia de ficar, que será obra de dois tiros de besta
do rio. Andando-se ali nisto, viriam bem cento cinqüenta, ou mais. Plantada a cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza,
que primeiro lhe haviam pregado, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e
oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco, a ela, perto de cinqüenta ou sessenta deles, assentados todos de joelho
assim como nós. E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se
levantaram conosco, e alçaram as mãos, estando assim até se chegar ao fim; e então tornaram-se a assentar, como nós. E
quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim como nós estávamos, com as mãos
levantadas, e em tal maneira sossegados que certifico a Vossa Alteza que nos fez muita devoção.

Estiveram assim conosco até acabada a comunhão; e depois da comunhão, comungaram esses religiosos e sacerdotes; e o
Capitão com alguns de nós outros. E alguns deles, por o Sol ser grande, levantaram-se enquanto estávamos comungando, e
outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou cinqüenta e cinco anos, se conservou ali com aqueles que
ficaram. Esse, enquanto assim estávamos, juntava aqueles que ali tinham ficado, e ainda chamava outros. E andando assim
entre eles, falando-lhes, acenou com o dedo para o altar, e depois mostrou com o dedo para o céu, como se lhes dissesse
alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos!

Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima, e ficou na alva; e assim se subiu, junto ao altar, em uma cadeira; e ali
nos pregou o Evangelho e dos Apóstolos cujo é o dia, tratando no fim da pregação desse vosso prosseguimento tão santo e
virtuoso, que nos causou mais devoção.

Esses que estiveram sempre à pregação estavam assim como nós olhando para ele. E aquele que digo, chamava alguns, que
viessem ali. Alguns vinham e outros iam-se; e acabada a pregação, trazia Nicolau Coelho muitas cruzes de estanho com
crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda. E houveram por bem que lançassem a cada um sua ao pescoço. Por essa
causa se assentou o padre frei Henrique ao pé da cruz; e ali lançava a sua a todos -- um a um -- ao pescoço, atada em um
fio, fazendo-lha primeiro beijar e levantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançavam-nas todas, que seriam obra de quarenta
ou cinqüenta. E isto acabado -- era já bem uma hora depois do meio dia -- viemos às naus a comer, onde o Capitão trouxe
consigo aquele mesmo que fez aos outros aquele gesto para o altar e para o céu, (e um seu irmão com ele). A aquele fez
muita honra e deu-lhe uma camisa mourisca; e ao outro uma camisa destoutras.

E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente, não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, do que
entenderem-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer como nós mesmos; por onde pareceu a todos que
nenhuma idolatria nem adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que
todos serão tornados e convertidos ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para
os batizar; porque já então terão mais conhecimentos de nossa fé, pelos dois degredados que aqui entre eles ficam, os quais
hoje também comungaram.

Entre todos estes que hoje vieram não veio mais que uma mulher, moça, a qual esteve sempre à missa, à qual deram um pano
com que se cobrisse; e puseram-lho em volta dela. Todavia, ao sentar-se, não se lembrava de o estender muito para se
cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria maior -- com respeito ao pudor.

Ora veja Vossa Alteza quem em tal inocência vive se se convertera, ou não, se lhe ensinarem o que pertence à sua salvação.

Acabado isto, fomos perante eles beijar a cruz. E despedimo-nos e fomos comer.

Creio, Senhor, que, com estes dois degredados que aqui ficam, ficarão mais dois grumetes, que esta noite se saíram em terra,
desta nau, no esquife, fugidos, os quais não vieram mais. E cremos que ficarão aqui porque de manhã, prazendo a Deus
fazemos nossa partida daqui.

Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até à outra ponta que contra o norte vem, de que
nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do
mar em algumas partes grandes barreiras, umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda chã e muito cheia de
grandes arvoredos. De ponta a ponta é toda praia... muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito
grande; porque a estender olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos -- terra que nos parecia muito extensa.

Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em
si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os
achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela
tudo; por causa das águas que tem!

Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que
Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegação
de Calicute bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber,
acrescentamento da nossa fé!

E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se a um pouco alonguei, Ela me perdoe.
Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo.

E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa
Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a
Jorge de Osório, meu genro -- o que d'Ela receberei em muita mercê.

Beijo as mãos de Vossa Alteza.

Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.
Pero Vaz de Caminha.

NUPILL - Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística
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O SIGNIFICADO DA VIDA E DA MORTE

“Os homens temem a morte”, escreveu Lord Bacon, “como as crianças temem o escuro”. Teremos medo e repulsa da morte porque ela rompe nossos laços com tudo que estimamos nesse mundo? Por ser um evento cuja natureza é desconhecida? Mas a mente não pode reagir ao que é desconhecido, a não ser que no lugar do desconhecido coloque-se algo conhecido, isto é, algo de nossa experiência passada. Deve haver uma razão para assim se fazer. Nós já desenvolvemos na mente o medo de várias experiências, e projetamos esse medo no evento que vai acontecer. Contudo, se considerarmos a morte de maneira simples e tranqüila, pondo de lado as idéias que foram inculcadas em nossa mente, não será ela, na verdade, um fenômeno tão natural quanto o nascimento?

A morte corre o tempo todo à nossa volta, em toda parte, sob várias formas. As folhas caem das árvores, e folhas novas surgem. As células do nosso corpo morrem aos milhões, e novas células são fabricadas. Toda forma de vida perece e cede lugar a uma forma nova. Um fenômeno tão universal, natural e aparentemente necessário não pode ser desprovido de uma significação profunda. Se conseguirmos compreender essa significação, talvez nossa atitude com relação a ela possa de algum modo modificar-se.

Em qualquer forma de vida, seja um animal, uma árvore ou um ser humano, sempre há forças que constroem e forças que causam desintegração. Esses dois conjuntos de forças estão entretecidos na entidade viva e operam simultaneamente. Mesmo numa criancinha, que parece crescer de momento a momento, existe o metabolismo de fragmentar e construir. À medida que cresce, o equilíbrio inclina-se para outro lado; na velhice, as forças do declínio prevalecem sobre as do crescimento.

Nenhuma forma dura para sempre. Como disse Buda, tudo que é composto deve, a seu tempo, decompor-se. Haverá alguma forma, por menor que seja, que não seja composta? Até mesmo o átomo possui uma estrutura sustentada por forças internas. Tudo que surgiu tem que se desintegrar, isto é, tem que ser reduzido ao estado original. Somente aquilo que é absolutamente simples pode existir para sempre.

O que é simples? Certamente não o nosso corpo, nem nossa mente; nada que seja diferenciado pode ser chamado de simples. A única coisa simples é o espírito uno e universal, auto-existente, que é postulado na filosofia hindu e que está unido à base universal da matéria. Não a matéria que foi diferenciada, modificada e construída de várias maneiras, mas a matéria na sua homogeneidade primordial, da qual surgiu tudo que é heterogêneo. Podemos considerar matéria e espírito como dois aspectos de uma unidade que não está sujeita à morte e à decadência.

O Bhagavad Gita fala do Atma, o espírito eterno que sopra sua vida para o interior de tudo, de cada forma, e ainda assim é intocado pelos fenômenos que afetam essa forma: “Ele não nasce nem morre; não tendo sido, também não deixará de ser; não nascido, perpétuo, é eterno e antigo; ele não morre quando o corpo é destruído”.

Todo o segundo capítulo do Bhagavad Gita ed devotado à morte do corpo e a imortalidade do espírito. Vida e morte são como dois lados da mesma moeda. É pela morte das formas existentes que a natureza é capaz de seguir adiante, em direção a outras formas melhores.

Melhores em que sentido? Para a evolução da vida, a implementação do seu propósito, o desabrochar de suas faculdades, a exibição das riquezas que estão dentro de si. Existe, todo o tempo, a ascensão da vida de degrau em degrau, em uma escala cujo fim não percebemos. Cada forma dá passagem a uma forma renovada, para que a vida possa se mover para cima. Mas cada forma está sujeita ao declínio, e, em relação às formas, é o declínio que prevalece.

Quando ocorre a morte da forma, surge a possibilidade de um início completamente novo, com uma forma nova, muito embora a hereditariedade interfira nesse processo. Mesmo assim, podemos ver que uma criança é diferente do pai e da mãe. Ela começa sua nova existência, muito embora tenha sua herança física e também uma hereditariedade psíquica ou mental, derivada da individualidade que existiu anteriormente num outro corpo.

Degrau para outro estágio

Quanto mais se estuda a natureza, mais parece que, nas suas formas mais elevadas, toda manifestação da vida é de algum modo única, com uma individualidade própria. As especulações dos grandes filósofos concordam sobre a continuidade da vida humana, que não é interrompida pela morte, mas levada adiante em outros níveis.

No caso do homem, esse é um outro modo de se expressar a verdade com a qual estamos todos familiarizados: a sobrevivência do homem, a sobrevivência de algum aspecto que é parte essencial dele mesmo. Poderíamos dar a isso o nome de alma.

Enquanto houver a morte do corpo e a imortalidade do espírito, entre ambos existe a vida individual, uma consciência com fluxo e refluxo periódicos, governada pela atração do espírito e da matéria. Esse é um fenômeno de retorno, de repetição, do qual vemos tantos exemplos na natureza; em outras palavras, é a reencarnação. A vida balança entre o nascimento e a morte não apenas uma vez, mas muitas vezes, enquanto o pêndulo for movido pela mola do próprio processo do viver.

Se a morte é nada mais que um incidente, e a forma material é apenas uma morada provisória, um degrau para outros estágios, não é razoável afirmar que deixar de lado a vestimenta da carne e as paixões que a ela pertencem é uma libertação, do ponto de vista da alma? Platão pensava que somente quando a alma estivesse livre do corpo seria possível compreender sua natureza elevada.

Se considerarmos a vida como independente do corpo. O fracasso do instrumento não pode significar sua extinção, nem a extinção das faculdades que a ele pertencem. A morte é apenas um portal, e o que se segue à morte do corpo é uma experiência bastante diferente da aniquilação do aspecto físico. Lá está a mesma consciência, com suas emoções e ímpetos, as impressões que recebeu, as imagens que formou e todas as reações ainda na memória.

As imagens que são levadas tendem a enfraquecer devido à falta de posterior contato com as cenas que a causaram. Eu estou aqui, olho para as árvores, para os meus amigos. Tenho essas imagens na minha mente; se me afastar para longe lembrarei desse local durante algum tempo, mas depois a memória começará a desaparecer.

Algo similar acontece à consciência individual. Ao serem removidas as condições com as quais esteve em contato, às quais esteve reagindo, a entidade tenderá a se tornar cada vez mais retirada e a viver num mundo próprio. Quando nada exige nossa atenção, tendemos a dormir ou devanear. O estado pós-morte deve ser semelhante a sonhar; um estado de retirada no qual o ego consciente está envolvido por suas próprias idéias, como nos sonhos.

Na morte, entramos num estado de retirada para dentro de nós mesmos, um tipo de involução no qual podemos ter experiências muito reais, comparáveis às dos sonhos. Assim como os sonhos são a reelaboração de emoções e de materiais acumulados na vigília, o estado pós-morte baseia-se no material reunido durante a vida. Quando esse material se exaure, aquele que dorme entra num sono profundo e sem sonhos, um estado de consciência onde o que quer que aconteça não é lembrado.

Então vem o renascimento. Voltamos a um novo corpo físico sem qualquer memória prévia. Nada permanece da história antiga. A personalidade foi-se; retornamos banhados e limpos pelas águas do Letes. Não lembramos do nosso passado, e devemos ficar contentes por isso. Se tivéssemos que carregar o fardo de tudo que fomos e fizemos, nossa vida atual seria um pesadelo. Mas a cada vez começamos como uma pessoa nova. Vivemos, dormimos durante o intervalo e voltamos novamente, esquecidos de tudo. Retornamos como uma criança inocente, para começar um novo capítulo, para escrever uma história melhor.

Mas o que acontece? Observamos a pessoa e vemos que depois de alguns anos ela pode se tornar irreconhecível, com características que não se suspeitaria existir na criança. Isso acontece porque trazemos conosco as sementes do passado; assim como os genes transmitem características, também a personalidade passada é transmitida, mas não cresce até que encontre solo apropriado. As velhas tendências podem estar lá, mas até que sejam provocadas elas permanecem adormecidas. Por isso um ambiente favorável é tão importante para a criança. Infelizmente, muitas vezes o novo torna-se uma cópia do velho; uma cópia modificada, mas essencialmente uma reafirmação.

Isso significa apenas que não morremos “suficientemente”. Como entidade psicológicas, como compostos psíquicos, não fomos completamente dissolvidos. O homem liberto e perfeito é chamado asekha, que significa “sem nada pendente”. Ele nada transporte, liquidou sua fatura. Se pudermos morrer completamente como entidade psíquica, de modo que a nossa natureza seja reduzida à pura simplicidade, à natureza original, haverá uma qualidade nova que será para sempre uma alegria. É assim, acredito, que os mestres vivem suas vidas. Juntamente com sabedoria e maturidade, eles conservam a inocência e a sensibilidade da infância e da juventude. Todas as quatro estações estão neles misturadas e combinadas para tornar a vida perfeita.

A morte pode significar renovação, mas o que dizes da separação daqueles a quem amamos? É natural sentir saudade das pessoas que se tornaram parte da nossa vida; contudo, se o nosso amor for suficientemente profundo para nos dar um senso de unidade, então até mesmo a dor pode ser transmutada num sentimento de proximidade.

Pode ser que o nosso amor por alguém, que deriva seu caráter de circunstâncias particulares, tenha que ser colocado em diferentes compartimentos para se tornar perfeito. Talvez quando estamos fisicamente juntos não estejamos tão unidos quanto imaginamos. Cada ser está separado dos outros por uma muralha. Temos que deslindar o mistério da separação. Não somos unos fisicamente nem em nossas mentes, mas podemos ser unos se ultrapassarmos a mente. Amamos nossos amigos enquanto estamos juntos, mas, se esse amor for puro, estará presente quando estivermos separados.

Nos nossos melhores momentos, quando vemos algo belo em alguém, quando em algum grau penetramos sua alma, há em nós um sentimento que se torna profundamente uno com aquela beleza, com a natureza daquela alma. Um sentimento assim deve prevalecer sobre sentimentos menores. No amor que nada deseja para si próprio não pode haver separatividade. Se pudermos compreender que a morte é uma questão de tempo e que só existe unidade além do processo do tempo, poderemos considerar a morte com olhos gentis.

N. Sri Ram - autor do presente texto - foi presidente internacional da Sociedade Teosófica, escreveu vários livros e faleceu em 1973.
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O COBRIDOR INTERNO DE CADA UM

(Reflexões sobre a Consciência)

Todos os códigos e preceitos morais, estabelecidos em todas as épocas, têm um denominador comum: a separação entre o que é bom e o que é mau. Fazer o que é bom é moralmente correto. O que modifica é o conceito de BEM, variável segundo a cultura e evolução de um povo, em cada época. Variável também sob influências religiosas. Até mesmo a situação geográfica poderá influir no conceito do bem e do mal.
O homem primitivo, o Pithecantropus erectus, provavelmente era dotado de uma consciência rudimentar, não vivendo muito diferente dos outros animais. Mas, através dos milênios, o homem foi adquirindo autoconsciência, tomando conhecimento de si mesmo e do mundo à sua volta. Através da autoconsciência, o homem cria possibilidades de níveis mais altos de integração. Nesse estágio, o homem sabe que sabe e tem a faculdade de estabelecer julgamentos morais dos atos realizados, distanciando-se, deste modo, de outras espécies animais.
À medida que o homem, individualmente ou como raça, evolui, expandindo sua consciência, vai tornando mais complexa sua relação com o mundo e com si mesmo, porque outros fatores tornam-se importantes na estruturação de sua conduta moral. Um exemplo significativo, que me veio agora à mente: a escravidão de seres humanos. Há os relatos bíblicos a respeito desse assunto e, mais próximo de nós, a escravidão humana, oficializada em nosso país, até há bem pouco tempo. Era normal o senhor rico, dono de terras, construtor de igrejas (religioso portanto) ter os seus escravos, a quem tratava como animais, separados em senzalas, sem direitos e sujeitos a castigos inomináveis. Ah, mas havia os senhores bons! Até que ponto eram bons? Porque castigavam menos?
O que eu quero dizer é que, moralmente, era tido como correto ter, entre seus bens, os escravos. Além de tudo, amparado por lei. E ninguém tinha dor de consciência porque, além de legal, os limites das consciências de então eram muito estreitos, pautavam-se por padrões que hoje até nos horrorizam, e são incompreensíveis para nós. Havia as exceções, e entre estas, orgulhosamente, os maçons.
Outro exemplo é a separação de classes, mais evidente nos antigos, não tão antigos, reinados da Europa. A distância entre a plebe e a nobreza, odiosa, era uma coisa “natural”. Como era natural mandar alguém para a fogueira simplesmente por admitir fatos, tidos como heréticos, e que hoje qualquer pessoa admite como se nunca houvesse sido diferente. Mutatis mutandis, hoje é a mesma coisa, com outra roupagem, basta ler os jornais e ver a televisão. As condutas morais em nosso tempo, estribadas na maior parte em leis, estão a exigir outras “revoluções francesas”. Revoluções brancas, sem dúvida, porque de 1.792 até agora, a humanidade evoluiu um pouco e, em vez de paus, porretes, sabres ou baionetas, temos o voto, arma silenciosa porém, de uma eficácia ainda não percebida por todos.
Retomando o fio do raciocínio: à medida que o homem cresce interiormente, tomando consciência dos valores intrínsecos da alma, seus padrões morais também se modificam, tornam-se mais sutis, havendo maior exigência de si mesmo no comportamento moral. Há a influência do meio, da estabilidade social, da religiosidade, da cultura própria de seu país e de muitos outros fatores.
De qualquer maneira que se olhar o padrão moral do homem, ou de um povo, uma coisa é certa: a consciência é o fator principal na crivagem do bem e do mal.
A consciência é o Cobridor Interno. É o guardião permanente de nossa conduta. A todo momento, em nosso dia-a-dia, nos relacionamentos profissionais ou familiares, a nossa consciência é abordada no sentido de responder às questões que surgem. É ela quem nos diz: isso é bom ou isso é mau. Por isso, é preciso reflexão antes de tomarmos decisões, na base do sim ou do não. Uma conduta impensada, uma frase inoportuna e mal colocada, poderão trazer-nos dissabores o resto da vida, porque agimos contra a consciência, que não teria sido ouvida devidamente.
Tomemos tento, portanto, em nosso guardião interno. Falar e agir, segundo seus ditames. Se ele nos diz, não faça isso, não façamos.
De um modo geral, o que não gostaríamos que nos fizessem, não devemos fazer a outrem. Agindo assim, teremos um bom caminho andado para vivermos felizes e cheios de amigos, não sendo necessário abandonar nossos princípios e nem pactuar com atos indignos ou incorretos.
Num homem pouco evoluído, no entanto, esses limites de consciência não tem a mesma dimensão da de um homem com mais madurez de alma e, assim, o mal praticado por alguns, não teria para os seus praticantes o mesmo nível moral. Praticam o mal sem se aperceberem do desvio moral em que estão incorrendo. É necessário apenas um pouco de atenção para percebermos isto, em nossos relacionamentos imediatos ou não. (Um exemplo recente é o do deputado “pianista”, no Congresso. Para muitos de seus pares, e para ele próprio, um deslize pequeno não significa ser desonesto. . . questão de ponto de vista).
Em nossos Templos, em fora deles, temos um campo imenso para exercitar a consciência – e expandi-la. No silêncio de nosso Templo Interior, abriga-se a alma, com os atributos que lhe foram dados pelo Grande Arquiteto do Universo, Deus.
Quando tivermos consciência de todo o nosso potencial espiritual, estaremos prontos para sermos maçons, em plenitude.

FAUSTO RODRIGUES DO VALLE
Membro da Loja Maçônica Francis Bacon 2610
Goiânia - GO
Publicado na internet
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A virtude da disciplina

Certas palavras e expressões às vezes têm seu sentido deturpado ou reduzido.

Assim ocorre com a disciplina, freqüentemente entendida como submissão a um agente externo.
O termo remeteria à ação que sujeita a vontade de outrem.
Por exemplo, o pai que disciplina seu filho ou o comandante que conduz suas tropas sob um regime disciplinar severo.
Embora a disciplina sob o aspecto exterior seja necessária, ela a tal não se circunscreve.
Na realidade, é sob o prisma interno que a disciplina revela seu mais rico potencial.
Trata-se de uma virtude que viabiliza a aquisição de todas as outras.
Sem disciplina, não há avanço e transformação moral e intelectual.
A criatura indisciplinada permanece como sempre foi.
Seus vícios e debilidades não encontram firme oposição e os mesmos erros são incessantemente repetidos.
A disciplina atua no plano da vontade.
Ela estabelece regras e define como deve ser o comportamento futuro.
O homem disciplinado diz a si mesmo que deve fazer e se mantém firme no propósito.
Mesmo contra seus interesses e tendências naturais, segue o programa de melhoramento que se impôs como meta.
A disciplina consiste em uma força interior que permite a alteração de velhos hábitos.
Não se trata apenas de decidir ser melhor, mas de colocar em prática o que se decidiu.
Certamente há vacilos, mas logo o homem disciplinado retoma seu projeto inicial.
Ele não se permite desistir, quando percebe a viabilidade da meta que elegeu para si.
Todos os Espíritos, atualmente vinculados à Terra, já passaram por incontáveis encarnações.
No longo processo de aprendizado, cometeram muitos equívocos e desenvolveram maus hábitos.
Certas tendências do pretérito remoto ainda hoje se fazem presentes nos homens.
Nos primórdios da evolução, o Espírito era despido de cogitações intelectuais e morais mais complexas.
As preocupações do ser resumiam-se à preservação da vida e à perpetuação da espécie.
O tempo não gasto com a satisfação dessas necessidades era dedicado ao ócio.
Assim, o gosto excessivo pelo descanso lembra as fases primitivas da existência imortal.
O mesmo ocorre com a preocupação desmedida com alimentação e sexo.
Nada há de errado com a satisfação das necessidades elementares da vida, em um contexto de dignidade.
O vício reside no excesso e na fixação do pensamento em atividades que são meramente instrumentais.
A destinação do Espírito humano é excelsa.
Compete-lhe vencer a si mesmo, libertar-se de hábitos primários e preparar-se para experiências transcendentais do intelecto e do sentimento.
Ocorre que isso somente é possível com muita disciplina.
Sem uma vontade firme aplicada na correção do próprio comportamento, ninguém avança.
Maus hábitos, como maledicência, gula, preguiça e leviandade sexual, não somem por si sós.
Eles devem ser corajosamente enfrentados e subjugados.
O abandono de vícios é lento e doloroso.
No princípio, o esforço necessário é hercúleo.
Mas gradualmente se percebe o peso que representam as más tendências.
Surge uma sensação de liberdade e de leveza, com a adoção de um padrão digno de comportamento.
Então, o que era difícil se torna fácil e prazeroso, pois a disciplina gera a espontaneidade.
Pense nisso.

Redação do Momento Espírita. Colaboração do irmão Carlos Osieck.
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