sábado, 1 de agosto de 2009

ESTRELA FLAMÍGERA

Quero começar este trabalho dizendo que foi o mais difícil de todos os que já fiz na Maçonaria – e este é o oitavo texto que escrevo. Difícil em primeiro lugar por ser um assunto totalmente novo e desconhecido para mim, mas, principalmente, porque o material pesquisado exigiu um grande esforço de classificação e depuração, uma vez que oferece muitas idéias que considero inaceitáveis. E, ainda, porque o tema da estrela flamejante aborda com ênfase a questão dos números – binário, ternário etc. – que como já escrevi em outro trabalho, se me afigura como de nenhuma importância. Ressalto, porém, que estou aberto a aprender e rever meus conceitos.
Descarto, por considerar inaceitável, a interpretação da estrela flamígera como expressão de magia, seja destinada ao bem, quando a quinta ponta está voltada para cima, seja para a prática do mal, quando essa ponta está voltada para baixo. Entendo que não podemos de forma alguma aceitar a idéia de que seja possível a prática da magia, ainda que voltada para o bem, pois isso nos levaria a uma atitude de comodismo, partindo do pressuposto de que basta executarmos determinados gestos rituais para resolver todos os problemas. É evidente que buscamos a solução dos problemas e a construção de uma vida melhor para nós e para todos, através de nosso trabalho, de nosso estudo, de nossos esforços, de nosso comprometimento. Enquanto a idéia da magia ilude as pessoas, prendendo-as em seu comodismo e alienação, o compromisso com a transformação e burilamento de nossa vida exige um grande esforço diário.
Os símbolos, por outro lado, são válidos e importantes dentro de nossa vida. Não pelo objeto em si, mas por aquilo que representam. É assim que entendo o sentido da estrela flamígera: um sinal luminoso a nos indicar o caminho a seguir. Estrela que apontou aos sábios vindos do oriente o caminho para encontrarem o menino nascido em Belém. Estrela-guia a indicar a rota aos navegantes que cruzavam os mares. Estrela que nos aponta o caminho, ilumina a escuridão, nos aquece com seus raios de fogo.
A estrela flamígera, ou flamífera, ou flamejante, também chamada pentagonal ou pentalfa, por ter cinco pontas ou raios, é o símbolo do companheiro maçon. Essas pontas representam, segundo muitos autores, as pernas, os braços e a cabeça do homem. Achei oportuno, em decorrência, o paralelismo com o famoso desenho de Leonardo da Vinci conhecido como o Homem Vitruviano (figura na página seguinte), por ter sido baseado numa famosa passagem do arquiteto romano Marcus Vitruvius Pollio. O redescobrimento do corpo humano, com suas proporções perfeitas, é considerado de grande importância no surgimento do Renascimento italiano.
O desenho do Homem Vitruviano forma uma estrela de cinco pontas, simbolizando de forma muito sugestiva a realidade que também nos é apontada pela estrela pentagonal: devemos ter os dois pés bem plantados no chão, para que nossos projetos e trabalhos sejam realistas e possíveis de serem executados. Estrela flamejante, com duas pontas voltadas para os lados, expressão de nossos braços sempre abertos para acolher os outros, lembrando-nos que não estamos sozinhos e que nossa caminhada é solidária no fraternismo e no apoio mútuo. Estrela flamígera, com a ponta voltada para cima, lembrando-nos que nossa cabeça está voltada para o alto, buscando a sintonia com o Criador, na certeza de que somos guiados por nosso ideal.
Se dentro do simbolismo maçonico a estrela flamífera com a quinta ponta voltada para cima, representa o bem, a virtude, o próprio Deus, enquanto a estrela com essa ponta voltada para baixo representa o mal, o vício, o próprio diabo, nós queremos ter nossa vida iluminada, guiada e aquecida pelos raios da estrela flamejante em sua posição original. Para o companheiro maçom, portanto, a estrela pentagonal simboliza e testemunha a obra que está sendo feita: obra de luz, obra do bem, obra do homem em comunhão com Deus, com os irmãos e com todas as criaturas. Sempre conscientes de que não se trata de uma estrela mágica, que resolve nossos problemas e dificuldades, e sim de um símbolo a nos lembrar o compromisso com o mundo, com os irmãos e com o Grande Arquiteto do Universo.
Nesse tríplice relacionamento, o homem deve se postar como filho em relação ao Criador, como irmão em relação aos outros homens, como senhor em relação às outras criaturas. Na medida em que nos deixamos guiar pelo egoísmo, quebrando a harmonia dos relacionamentos, queremos nos tornar iguais a Deus e senhores de nossos irmãos. Saindo do prumo, porém, nem percebemos que acabamos nos tornando escravos dos bens materiais.
O companheiro maçom deve buscar nos mestres os ensinamentos e o exemplo de vida para continuar sua caminhada. Em muitos momentos, porém, será obrigado a caminhar sozinho em meio à noite das dificuldades. Entendo que por isso a estrela flamejante é o símbolo do companheiro maçom, pois simboliza a luz que mostra a direção a ser seguida, o fogo dos raios que aquece e reanima para superar as fraquezas e dificuldades encontradas da jornada.
Aquecido e reanimado pela flama da estrela, o companheiro deve trabalhar com criatividade, planejamento e empenho na obra que assumiu. Tendo desbastado a pedra bruta, deve agora unir-se aos irmãos no esforço de construir uma edificação sólida, erguida sobre a rocha e não sobre a areia. No grau de companheiro, o maçom já deve estar preparado para trabalhar em benefício dos outros, quer na vida familiar, quer na vida profissional e social. A estrela flamejante representa a iluminação que vence as trevas em nossa vida, para que caminhemos em segurança, sem o risco de nos perdermos, afastando-nos de nosso ideal.
Gostaria de concluir este trabalho prestando uma singela homenagem a um dos maiores escritores brasileiros. Num estudo sobre a obra genial de Guimarães Rosa, “Grandes Sertões: Veredas” – sem sombra de dúvida uma das mais ricas e instigantes obras da literatura nacional – Consuelo Albergaria afirma que o obra está fundamentada numa visão maçônica. Os nomes dos personagens, por exemplo, tem todo um simbolismo que expressa essa visão. O próprio Guimarães Rosa, mineiro de Cordisburgo, apresentou-se como "O Cavaleiro da Rosa do Burgo do Coração”, título que certamente será entendido pelos Irmãos que já atingiram o grau 18 da Maçonaria. A ensaísta cita diversas passagens que comprovariam sua tese, mas, para ficarmos em nosso tema, podemos ver uma expressão simbólica da estrela flamejante no elenco dos cinco chefes de jagunços: Joca Ramiro, Medeiro Vaz, Zé Bebelo, Hernógenes e Ricardão. Ressalte-se que os três primeiros são bons e leais, enquanto os dois últimos são traidores (Judas), simbolizando a desarmonia e o mal.
Conscientes de que vivemos a eterna luta entre o bem e o mal, possamos continuar nosso esforço, guiados, iluminados e aquecidos pela estrela flamejante, colocando nossa pedra na edificação de uma sociedade mais justa, aspiração do povo brasileiro, tão bem retratada por Guimarães Rosa.

José Fernando Eberhardt, Companheiro, 18/09/06 - ARLS Hugo Simas, nº 92.

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